Vini Jr., um dos maiores talentos brasileiros da atualidade, terminou em segundo lugar na disputa pela Bola de Ouro 2024, um prêmio entregue anualmente pela revista francesa France Football e pela FIFA. A derrota para Rodri, jogador espanhol do Manchester City, poderia até ser considerada surpreendente para quem não observa as nuances de poder e racismo estrutural que permeiam o futebol internacional – ou no dia a dia. No entanto, para os que entendem como a lógica do racismo se manifesta tanto no futebol quanto na sociedade, o resultado apenas reafirma um padrão histórico de desvalorização dos jogadores negros, sobretudo daqueles que denunciam o racismo de forma aberta e insistente, como Vini Jr. tem feito. Desde o início da premiação, em 1956, os jogadores negros foram exceções entre os vencedores.
O conceito de “raça” foi criado na Europa para justificar a colonização e a escravização, estabelecendo uma hierarquia que desumanizou negros e indígenas enquanto elevou europeus ao status de “humanos plenos”. Essa lógica permanece viva não apenas em estruturas sociais e econômicas, mas também em espaços culturais e esportivos, como o futebol. A manutenção da hegemonia branca se reflete na premiação da Bola de Ouro, que é decidida por jornalistas europeus. Assim, é inevitável que a visão eurocêntrica de talento e excelência futebolística siga condicionada por uma perspectiva que desconsidera ou desvaloriza a negritude, especialmente quando ela não se submete ao silêncio.
Vini Jr. é um jogador extraordinário, mas o que o torna ainda mais significativo é sua postura diante do racismo que enfrenta diariamente, tanto dentro quanto fora de campo. Ele não se cala, não minimiza e não aceita o tratamento racista, colocando-se como uma das vozes mais importantes na luta contra o racismo no futebol contemporâneo. Essa postura, porém, cobra seu preço. A sanção social para os negros que denunciam o racismo é pesada e já é previsível: seja por parte da mídia que distorce suas falas, seja pelos torcedores que o vaiam ou, agora, pelos jornalistas que deixaram de premiá-lo, mesmo diante de uma temporada marcante.
A questão é ainda mais complexa porque reflete uma realidade cotidiana também no Brasil. A denúncia do racismo muitas vezes leva à perda de oportunidades, à estagnação de carreiras e a uma constante desvalorização de habilidades e talentos. A lógica é conhecida: pessoas negras geniais perdem vagas e promoções para brancos medianos. E isso ocorre não apenas no campo profissional, mas em todos os aspectos da vida, seja no mercado de trabalho, na universidade, nos meios artísticos e, claro, no esporte. Vini Jr. é um espelho da frustração que tantos negros brasileiros já sentiram e continuam a sentir ao serem preteridos, não pela falta de mérito, mas pelo racismo que sustenta as estruturas de poder.
A surpresa, portanto, não está na derrota de Vini Jr., mas na surpresa de quem não enxerga ou finge não enxergar o racismo como uma barreira real e constante.
A perda da Bola de Ouro para o atacante é um episódio simbólico de uma violência que se repete diariamente: negros tendo suas conquistas diminuídas, ignoradas ou desacreditadas. Quantas vezes o Brasil assistiu à genialidade negra ser colocada em segundo plano para manter o status quo de uma sociedade racista?
No futebol, Vini Jr. só foi mais um a vivenciar essa lógica. Não há surpresa para quem entende as dinâmicas do racismo; a surpresa é apenas para aqueles que se beneficiam do sistema ou para aqueles que, por ignorância ou conveniência, negam sua existência. O resultado da Bola de Ouro é um reflexo previsível de um sistema que ainda opera sob as lógicas do colonizador, mesmo em pleno século 21. A pergunta que fica é: surpresa para quem?
Que Deus não perdoe essas pessoas ruins.
Fonte: Metrópole / Reportagem: Rodrigo França