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BRASIL

Desfile de tanques é retrato sem retoques de Bolsonaro

TANQUES EM BRASÍLIA

Num esforço para examinar a crise política numa conjuntura de tensões, conflitos e sinais contraditórios, cabe uma observação obrigatória.

air Bolsonaro pode apoiar-se no aparato militar-burocrático que a presidência da República oferece a todo ocupante do Planalto e assim promover sucessivas demonstrações de uma força política mais aparente do que real.

Pode promover um desfile de blindados pela Praça dos Três Poderes, imagem que evoca imensos pesadelos das guerras abertas contra a democracia em várias partes do mundo — inclusive no Brasil.

No fundo, ele promete prender e arrebentar, à semelhança de João Figueiredo — o último presidente militar — que deixou o Palácio pela porta dos fundos. 

Em agosto de 2021, a tragédia encenada por Bolsonaro reúne muitos gestos temerários contra a democracia, que nunca poderão ser minimizados. Qualquer que seja seu efeito prático, são medidas tomadas pelo cidadão que ocupa a presidência da República.

A vocação criminal que os inspira lembra exemplos patológicos já identificados e estudados pela humanidade — e não pode ser desprezada.

Mas o rumo político de um país — muito menos com as dimensões do Brasil — não é determinada pelos traços de um indivíduo. Implica em resistência e luta, como os livros ensinam a quem quer aprender com a História. 

Sabemos hoje que a visita imperial de Jack Sullivan a Bolsonaro, há uma semana, implicou num ritual ruim para o Planalto. Embora a Casa Branca de Joe Biden mantenha uma pressão estratégica contra a China, a começar pelo boicote à tecnologia 5G,  o enviado seu enviado a Brasília evitou uma barganha que agradaria Bolsonaro.

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Em vez de afagar a fantasia golpista, engrossando o coro contra o sistema eleitoral brasileiro, gesto que soaria como música aos ouvidos dos bajuladores de Donald Trump, o emissário expressou “grande confiança na habilidade das instituições brasileiras de levar adiante eleições livres e justas”, conta Juan Gonzalez, graduado integrante da comitiva. (Folha, 10/8/2021).

A vida já foi mais agradável para Bolsonaro, também no plano interno. O abaixo-assinado eletrônico que clama pelo respeito ao voto popular,  puxado por uma grossa fatia do PIB, está longe de ser uma simples proclamação de princípios democráticos.

Expressa uma decisão prática crucial,  de uma  fatia grossa do PIB, decidida a  tirar Bolsonaro do caminho e lançar uma terceira via em 2022. Esse foi o choque da semana passada.

Hoje ilustrada pelo desfile de tanques e carros de combate, a chantagem contra o voto popular  mostrou que, nas eleições presidenciais sob o bolsonarismo, o sol não deve ser para todos — e pode fazer sombra até para os trilhardários.

Fábio Barbosa, um dos articuladores do manifesto contra o voto impresso, admitiu em entrevista ao Valor que “discutíamos como amadurecer a terceira via”quando descobriram que iriam enfrentar ameaças de Bolsonaro.

O desfile confirma que, como sobrevivente direto da extrema direita militar aninhada nas fileiras da ditadura de 64-85, Bolsonaro conserva as marcas de origem.

O negacionismo diante da Covid-19 é uma repetição sem retoques do tratamento de Emílio Médici à epidemia de meningite, tratada com indiferença médica e censura a imprensa, que impede que até hoje se possa ter ao menos uma ideia aproximada do número de vítimas.

Quando descobriu-se derrotada na luta interna da ditadura, os adversários de toda concessão a democracia se refugiaram na clandestinidade, onde disparavam bombas em bancas de jornal e até ensairam terrorismo de massa, como ocorreu no Rio Centro, atentado felizmente fracassado.

Hoje, em Brasília, os blindados em desfile pelos centros do poder político produziram uma imagem como há muito tempo não se via — e até se imaginava que nunca mais seria vista.

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São comportamentos que se repetem, em momentos diferentes, mas que carregando uma mesma mensagem. A situação pode ser muito ruim, o sofrimento da população pode beirar o insuportável, mas sempre é possível tornar tudo ainda pior. Este é o projeto.

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