De acordo com o professor de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) Marcelo Uchôa, o impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, que completa cinco anos nesta terça-feira (31), serviu para “aprisionar o povo na miséria e na ignorância”. Segundo ele, tratou-se de um golpe perpetrado pelo capital financeiro contra Dilma, em conluio com setores oligárquicos liderados pelo então vice-presidente Michel Temer (MDB), para “entregar” a soberania brasileira.
Além disso, foi também um “golpe misógino”, dado por setores do patriarcado que não admitiam serem governados por uma mulher. E o discurso golpista acabou sendo endossado pela classe média, o que acabou se revelando um verdadeiro “tiro no pé”. Sem fundamento legal, o processo acabou vulgarizando o estatuto do impeachment, que atualmente deveria ser aplicado, com justa causa, diante dos crimes de responsabilidade cometidos em série pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Agora a gente vê um governo que comete crimes de responsabilidade o tempo todo. São crimes contra os poderes, contra a probidade administrativa, contra a segurança interna e o cumprimento das leis”, disse Uchôa, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual. “Quando não havia justificativa, aplicaram o impeachment, dando um castigo na democracia, desestabilizando as instituições. Agora que tem que aplicar, passam a mão e jogam para frente. Está muito errado isso”, lamentou o jurista.
Pedaladas
Para Uchôa, as ditas “pedaladas fiscais” não configuram crime de responsabilidade. Tratou-se de um expediente contábil que, inclusive, havia sido utilizado por todos os governos que antecederam Dilma. E também por aqueles que a sucederam. Além disso, no caso em questão, essas manobras foram utilizadas para garantir créditos à agricultura familiar no âmbito do Plano Safra. “Não houve qualquer tipo de prejuízo para o Tesouro, nem para o Banco do Brasil, que pagava a subvenção. Não houve enriquecimento ilícito, nem nenhum tipo de prática desconhecida da política”, destacou.
Inversão da agenda
Após a derrubada de Dilma pelo golpe, Uchôa também sustenta que houve uma “inversão total” da agenda que havia sido escolhida pela maioria da população em 2014. Com a aprovação da Emenda Constitucional 95, houve a implementação do “teto de gastos“, estabelecendo o congelamento por 20 anos dos gastos sociais – como nas áreas da Saúde e Educação, por exemplo. Sobreveio também a privatização do pré-sal, além da venda de ativos da Petrobras. Diretos trabalhistas e previdenciários também entraram no cardápio das elites no poder. Todos esses processos foram aprofundados no governo Bolsonaro, mas tiveram seu início com Temer.
Antipolítica e fascismo
Uchôa também frisou o papel da Operação Lava Jato no golpe contra Dilma. Em conluio com a mídia, os procuradores e o então juiz Sergio Moro produziram denúncias espetaculares que acabaram minando o apoio ao governo. Cumprido seus objetivos iniciais, os lavajatistas romperam a aliança montada com o Centrão, com investigações que passaram a atingir Temer e seus aliados. Ao mesmo tempo, aprofundaram a caçada contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em 2018.
Nesse sentido, a Lava Jato contribuiu para o avanço da antipolítica no Brasil, o que serviu de esteio para o surgimento de uma candidatura abertamente fascista, como a de Jair Bolsonaro. “Tudo começou com o golpe de 2016, quando as instituições foram abaladas. E perderam o controle, a ponto de deixaram o país na atual situação”, disse o advogado.